quarta-feira, 31 de agosto de 2011

jornalista diz que 'Lula não é de esquerda, é um conservador e grande conciliador'


Foto: Marcos Alves/Agência O Globo
Observador privilegiado da ascensão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde os tempos de líder sindical no ABC paulista, o jornalista e escritor José Nêumanne Pinto(foto) defende em seu livro lançado na semana passada, "O que sei de Lula", a desmistificação do petista como um revolucionário e representante da esquerda brasileira. 

Ele considera Lula o maior político que o país já teve, mas diz que, na essência, ele é um "conservadoraço". 

Nêumanne acompanhou, como repórter, de perto a rotina de Lula no tempo das greves no ABC e chegaram a ser amigos. Mas, com a eleição de Lula, a relação acabou. 

- Eu sempre me rebelei com a imagem que foi sendo feita ao longo do tempo e pensei: eu tenho o privilégio de conhecer bem o assunto, a origem, a saga dele e o fato de ele nunca ter sido revolucionário de esquerda. Escrevi esse livro ao sabor da memória - conta. 

Confira entrevista do jornalista ao jornal O Globo:

O GLOBO: Qual a maior revelação que o livro traz? 

JOSÉ NÊUMANNE PINTO: É que o Lula não é de esquerda, é um conservador e grande conciliador. 

O GLOBO: Além de dizer que Lula nunca foi de esquerda, o senhor questiona o mito em que ele se transformou. O que o fez chegar a essa conclusão? 

NÊUMANNE: Isso não é uma opinião. Eu mostro isso com episódios. Entre 1978 e 1979 eu fui procurado pelo Claudio Lembo, presidente da Arena na época, porque ele tinha uma missão. O general Golbery do Couto e Silva queria fazer a volta dos exilados e queria apoio do Lula. A reunião foi em um sítio do sindicato e lá eu ouvi o Lula dizer: Dr Claudio, fala para o general que eu não entro nessa porque eu quero que esses caras se danem. Os caras estão lá tomando vinho e vêm para cá mandar em nós? O Lula falava que a igreja tinha 2 mil anos de dívidas com a classe trabalhadora e que não resolveria em dois anos. Com os estudantes dizia que poderia fazer um pacto: eles não encheriam o saco do sindicato e o sindicato não encheria o deles. Isso tudo eu vi, ninguém me contou. Ele é um conservadoraço. Nunca foi revolucionário. 

O GLOBO:Mas e a história dele com o PT? 

NÊUMANNE: Eu costumo usar a seguinte imagem para ilustrar a história da esquerda na vida dele. Pense numa cebola. O núcleo da cebola é o homem. O resto é casca ideológica e política construída ao longo do tempo. O meu objetivo era descascar essa cebola e chegar ao homem, porque eu acho que o segredo do sucesso do Lula é a condição humana dele, a origem, o ambiente familiar, a carreira no sindicato e, sobretudo, dois talentos, que não têm nada a ver com ideologia. O primeiro é o talento que ele tem de se comunicar. O segundo é que Lula é o maior de todos os conciliadores da história do Brasil. O Lula conseguiu um milagre. Quando eu conheci o Lula se falava muito que a esquerda brasileira só se reunia na cadeia, porque eram todos inimigos. E o Lula foi o primeiro cara que uniu a esquerda mesmo sem ser de esquerda. 

O GLOBO: Qual dessas caraterísticas é, na sua opinião, a responsável por torná-lo, como o sr. diz, o maior político do Brasil? 

NÊUMANNE: Ele é o maior político brasileiro e eu não considero isso necessariamente um elogio. Você sabe o que é o político brasileiro? É o cara que faz qualquer coisa para ficar no poder e isso é o Lula. A primeira vez que eu usei essa expressão o Serra (ex-governador José Serra) me chamou e disse que Getúlio Vargas era o maior político que o país havia tido. Eu falei: Serra, o Getúlio meteu uma bala no peito por causa de uma corrupçãozinha por causa de um segurança do pai dele. O Lula administrou uma quadrilha chamada mensalão e a oposição não tem um cara para enfrentá-lo na eleição. Nunca houve um conciliador como Lula. 

O GLOBO: Isso foi aprendido ou é inato? 

NÊUMANNE: É inato e foi desenvolvido. Quando eu conheci o Lula ele não tinha noção desses talentos. Nas primeiras entrevistas que eu fiz com ele na época do sindicato ele era terrível, despreparado. Eu fui vendo, aos poucos, ele se transformar num cara genial, no meu melhor entrevistado. O talento de conciliador ele descobriu no bar da Tia Rosa, em frente ao sindicato em São Bernardo do Campo, onde fazia as negociações quando sindicalista. O PT que Lula fundou é a soma dos sindicalistas autênticos, a Igreja progressista e a esquerda armada. 

O GLOBO: Todos esses setores tinham como plano usá-lo para chegar ao poder, mas foi ele quem acabou usando todos eles? 

NÊUMANNE: Eu defendo isso no livro. Primeiro o Golbery pensou que ia dominar o Lula. A igreja tentou usá-lo, mas na primeira oportunidade ele jogou a esquerda para escanteio ao escolher o José Alencar para vice, representante de um partido evangélico. 

O GLOBO: E o ex-ministro José Dirceu? 

NÊUMANNE: O Lula usou o Zé Dirceu. O PT era esfacelado e o Lula não tinha domínio sobre o PT. O Zé Dirceu é quem tinha e deu o domínio a Lula. Primeira chance que ele teve, despachou o Zé Dirceu. Eu sempre achei que o projeto do Lula era o Palocci (ex-ministro da Fazenda na gestão Lula). 

O GLOBO: O senhor diz que Lula não mudou tanto nesses quase 40 anos, contrariando o que diz o próprio. Em que ele continua o mesmo? 

NÊUMANNE: Apesar de ele dizer que é uma metamorfose ambulante, ele não mudou. Ele usa os mesmos métodos. No palanque nos tempos do sindicalismo a primeira coisa que eu aprendi foi o método dele. Ele botava dois companheiros para defender teses diferentes. Um a favor de manter a greve e o outro contra. Ele olhava a reação do povo e decidia. Esse é o cara que colocou Dirceu versus Palocci. Ele governa na cizânia. Ele tem a sabedoria ancestral de dividir para reinar. Um repórter da revista Playboy perguntou a ele quais eram as duas maiores personalidades do século 20? Ele disse Gandhi e Hitler. Um pacifista e um assassino. Isso é ele. 

O GLOBO: Você acredita que ele voltará a disputar a Presidência? 

NÊUMANNE: Cada dia mais eu me convenço de que esse é o plano dele. 

O GLOBO: Há algo que você sabe sobre Lula e não está no livro? 

NÊUMANNE: Tem coisas que não dá para contar. Tem coisas que eu não posso provar e, se escrevo, ou vou para a cadeia ou tomo um tiro.

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